Perfil do Architecture Journal: Paul Preiss

Publicado em: 21 de outubro de 2008

Por Paul Preiss

Nesta edição do The Architecture Journal, conversamos com Paul Preiss, fundador de um grupo sem fins lucrativos chamado IASA (International Association of Software Architects, Associação Internacional de Arquitetos de Software). Perguntamos a Paul sobre os objetivos da organização e lhe pedimos algumas opiniões sobre a profissão.

AJ: Paul, o que você faz?

PP: Eu dirijo a International Association of Software Architects (IASA). Passo a maior parte do tempo trabalhando para fornecer programas e serviços a arquitetos em atuação e aspirantes à profissão.

AJ: Você pode falar um pouco sobre a IASA aos leitores? Onde e como ela começou?

PP: A IASA foi fundada há cinco anos como um grupo de usuários em Austin, Texas. Crescemos e nos tornamos a maior associação de arquitetos de TI do mundo, com cerca de 7.000 membros e 50 unidades em 25 países. Estamos voltados para o crescimento profissional e o apoio a arquitetos individuais. Também almejamos capacitar os arquitetos a tomar posse de sua profissão da mesma forma que outros profissionais, como médicos e advogados, o fazem.

Eu fundei a IASA para me ajudar a estabilizar a minha carreira. Inicialmente, minha intenção ao fundar o grupo de usuários era ajudar as pessoas e a mim mesmo na carreira como arquiteto. Estava exercendo a profissão havia 10 anos, trabalhando com alguns dos maiores e dos menores problemas do mercado. E pude constatar algumas questões primordiais: a falta de recursos voltados para o arquiteto em sua função diária; a falta de colegas da área e a impossibilidade de encontrar pessoas com mentalidade e habilidades semelhantes para interagir em esquema de pares de trabalho; a falta real de uma definição comum dos conjuntos de habilidades fundamentais e a variabilidade da função entre as organizações; a dificuldade geral de categorizar os tipos de arquitetos e avaliar a competência. Fiz de tudo um pouco: desde procurar trabalho como arquiteto até contratar e gerenciar arquitetos. Tanta incerteza torna muito difícil para o arquiteto definir um carreira e segui-la da mesma forma como outros profissionais esperam fazer.

AJ: Às vezes a arquitetura de TI é comparada com outros campos profissionais mais estabelecidos, como a medicina e o direito. Você concorda com essas comparações?

PP: A profissão mais próxima que podemos usar como modelo em termos de infra-estrutura profissional é a medicina, e eu tenho a tendência de modelar a organização conforme a American Medical Association. A medicina, sem dúvida, é a profissão mais complexa tecnicamente, de missão crítica por excelência, com um volume imenso de mudanças técnicas constantes e crescimento de bases de conhecimento — e, mesmo assim, formamos e desenvolvemos médicos de forma estável e regular, por meio de estruturas como rodízio de clínica e certificações. O alcance da arquitetura de TI está se ampliando. Os arquitetos tornaram-se componentes integrais da indústria e dos negócios, nas políticas fiscais corporativas e na sua execução. Os arquitetos de sistemas para a assistência médica e ônibus espacial estão especificamente comprometidos com a segurança humana. Nós impactamos a saúde financeira de organizações e indivíduos em toda parte, por meio de sistemas habilitados para o comércio. Também podemos ter um impacto direto sobre sociedades inteiras por meio de inovações, como o YouTube, Web 2.0 e redes de relacionamentos sociais. Se podemos preparar e apoiar um médico para tudo o que ele terá de passar, criar a infra-estrutura profissional para apoiar um arquiteto não pode ser tão difícil!

AJ: Você acha que o nosso setor deveria seguir o tipo de especialização que vemos na área médica?

PP: Talvez, mas no final das contas um médico é um médico. Se estamos jantando em um restaurante e alguém se engasga, você não vai se levantar e dizer “Há algum otorrinolaringologista aqui?” Você vai dizer, “Há algum médico aqui?” O título profissional geral tem de ser significativo para que as especializações possam ser significativas.

Um objetivo-chave da IASA é identificar o diferenciador comum que distingue a nossa profissão das outras. Se não fizermos isto (e eu serei honesto com você), seremos “descontinuados”, porque os donos de empresa com quem eu converso não têm largura de banda para analisar software vs. infra-estrutura vs. solução vs. negócio vs. aplicativo vs. empresa. Eles querem saber por que devem contratar um arquiteto. Se você quiser fazer um favor para a profissão, ajude a diferenciá-la antes, e depois trabalhe para a especialização. Lembre-se de que embora médicos e advogados passem por um processo de especialização, antes devem fazer um curso geral.

AJ: Você poderia especificar um pouco mais este aspecto da especialização?

PP: A especialização pode ter impactos positivos e negativos que precisam ser considerados. Eu insisto vivamente para que todos leiam este artigo e pensem com carinho sobre o que ele diz, porque definir como será o nosso futuro é uma tarefa que nós devemos executar. Se não fizermos isto, algum dia outro irá defini-la para nós. A especialização em medicina tem implicações importantes em termos de seguro. Na verdade, se um oncologista ou podólogo faz um parto de forma incorreta, eles estão protegidos contra processos pelo seu seguro. Por outro lado, os médicos normalmente não têm cobertura de seguro se exercerem fora de sua especialização.

Dado o nosso impacto direto sobre a segurança humana, financeira e a sociedade, soube que estamos enfrentando graus cada vez maiores de controle em todo o mundo, como se fôssemos um grupo de médicos. O impacto das atividades futuras regulamentares e normativas deverá ser de tremenda importância para cada um de nós, e trabalhar à frente das tendências normativas, para que nós mesmos definamos a nossa profissão, deve ser uma prioridade imediata. Precisamos pensar mais sobre a nossa profissão e menos sobre trabalhos individuais específicos, quer trabalhemos para a Microsoft, Sun, American Express, Bank of America ou outra empresa das Américas, da Europa, Austrália, Malásia ou qualquer outro lugar da Ásia. Se levarmos em consideração primeiro a nossa profissão, então seremos capazes de estabilizar as nossas atividades de regulamentação futuras, direcionando os reguladores a tomarem decisões ideais, e não decisões por reflexo, politicamente orientadas se tais atividades fossem feitas às pressas. Pessoalmente, sinto que tenho a responsabilidade de controlar o meu próprio destino profissional. Depois de cinco anos desenvolvendo a IASA, percebi que o que eu faço tem impacto sobre como os arquitetos são percebidos ao redor do mundo.

AJ: Que conselho você daria para alguém que quisesse tornar-se um arquiteto hoje?

PP: Bom, há pelo menos duas questões importantes que precisam ser entendidas. Chamo a primeira de “síndrome de onde vão morrer os desenvolvedores”. O principal sintoma da síndrome é: “sou desenvolvedor há 15 anos, então acho que tenho de me tornar um arquiteto agora, porque esta é a próxima etapa do caminho natural”. Isto é semelhante a: “Tenho trabalhado como analista de negócios há 15 anos, então vou me tornar um arquiteto de negócios”... ou: “Estou em operações e infra-estrutura há 15 então me tornarei um arquiteto de infra-estrutura”. Existe uma noção de que você pode (ou mesmo deve) tornar-se um arquiteto por tempo de serviço ou simplesmente por uma questão de escala salarial. A arquitetura é comumente vista como a terra aonde se dirigem todas as profissões para morrer. Esta é uma falácia retumbante. A arquitetura é uma profissão ortogonal, diferente do desenvolvimento, da análise de negócios e da administração de sistemas. Voltando para a analogia médica: se você tiver sido enfermeiro por 15 anos, o tempo de serviço o qualificaria para se tornar um médico? Você pode ter algumas vantagens em termos de experiência prática em relação aos residentes, mas mesmo assim terá de começar a profissão desde o início: terá de concluir a faculdade de medicina, qualificar-se para ter uma licença e passar por residências, ou seja, vai ter de passar por todas as etapas.

AJ: E de onde você acha que provêm estas percepções? De quem é a culpa?

PP: Bem, creio que seja uma evolução bastante natural, logo, de um certo ponto de vista, não há culpados. O que aconteceu foi meio que orgânico, nos termos do formato original ou do processo de formação do setor de TI como um todo. É natural que a arquitetura de TI seja vista como em processo de especialização em várias linhas, com base nas funções e outras atividades existentes, como desenvolvimento, gerenciamento de infra-estrutura e alinhamento de estratégia de negócios. Acho que, na verdade, o setor está suficientemente maduro quando aqueles que exerçam outras funções sentem-se à vontade para investir o seu senso de identidade nelas. A arquitetura é muitas vezes entendida meramente como uma questão de ampliar o que já estamos fazendo, ou, talvez, até mesmo uma função concedida àqueles com habilidades avançadas inatas.

Por outro lado, a progressão do formato da profissão cabe a nós: acho que temos agora a oportunidade de sermos proativos na definição da nossa profissão.

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Recentemente escrevi em um blog sobre o aprendiz de mágico, buscando dispersar a noção comum de que “se eu trabalhar para um arquiteto, se eu colocar isto no meu título, se eu estudar e tiver a sorte de ter uma espécie de qualidade mágica, então serei um grande arquiteto”. Porém, na verdade, “profissão” é um conceito rigoroso. Profissionais são grupos de pessoas que claramente definem os seus conjuntos de habilidades, as suas propostas de valor, e isso os diferencia como comunidades de outros profissionais e grupos, e os aros pelos quais eles e seus colegas devem saltar para que se tornem parte do grupo. Isto é tudo o que de fato constitui uma profissão. Contanto que a função em questão tenha valor para a sociedade, como vimos acontecer com a TI ao longo dos anos, em algum ponto o conjunto de habilidades associado se dividirá e se tornará plenamente ensinável, ou seja, não é necessário tornar-se outra coisa antes. Visite o site do American Institute of Architects e leia a sua história (vide Referências). Você saberá que os 13 fundadores do AIA reuniram-se em 1857 com o objetivo de “elevar a reputação da profissão” e como resultado da frustração de que “qualquer um que quisesse se denominar um arquiteto, poderia: pedreiros, carpinteiros, construtores…. não havia escolas de arquitetura ou leis de licenciamento para a arquitetura para dar forma ao chamado”. Calamitosamente, esta situação é muito parecida à da arquitetura de TI hoje em dia. Então, eles fincaram uma estaca no chão e declararam que aquilo não poderia mais ser aceito. Um século e meio depois temos a profissão de arquitetura de edifícios na forma atual.

AJ: Esperemos que não demore 150 anos para chegarmos lá. Em um comentário anterior, você mencionou aros que deveriam ser atravessados para pertencer ao clube dos arquitetos. Quais são estes aros? A certificação?

PP: A progressão do conhecimento médico e o aprendizado — o que os médicos passaram a compreender sobre a profissão e como eles exercem o seu conjunto de habilidades, e assim por diante — permitiu-lhes aprimorar a qualidade dos tratamentos desde a antigüidade. Mantendo o passo do crescimento da área médica, as entidades profissionais continuamente aumentaram os padrões pela criação de aros maiores, mais amplos e mais sofisticados para que as pessoas atravessassem. Os aros atuais para os arquitetos de TI estão sendo definidos na IASA, e em outras organizações, de uma perspectiva de habilidades. Estabelecemos mais de 250 habilidades na nossa taxonomia, que define um rigoroso corpus de conhecimento básico e outro, rigoroso e especializado, que todo indivíduo que quiser entrar para o clube deve ter. O que chamamos de Skills Taxonomy Project (Projeto de Taxonomia de Habilidades) resultou em um conjunto de artigos elaborados em colaboração com a Microsoft e os nossos membros. Assim, a primeira coisa que um arquiteto ou aspirante a arquiteto deve fazer é consultar a nossa taxonomia de habilidades, no nosso corpus de conhecimento básico. Com relação à infra-estrutura profissional, a profissão irá decidir, por exemplo, como fez a maioria delas, se o primeiro aro a ser atravessado será obter um diploma universitário. Em termos gerais, a maioria dos profissionais deve iniciar as suas profissões com uma faculdade. Você é obrigado a ter um diploma de medicina, direito, contabilidade, economia, marketing ou qualquer outro. Assim, em algum momento no futuro, se a arquitetura de TI realmente mantiver o seu status de profissão, é provável que este seja o primeiro aro pelo qual um aspirante a arquiteto deverá passar.

Agora, todos os diplomas são primordialmente baseados em conhecimentos e dependem de exames. Com isto em mente, uma das coisas nas quais estamos trabalhando efetivamente no momento é uma certificação para se tornar um associado, que demandará um exame baseado em conhecimento de nível júnior e que incluirá as mais de 250 habilidades da nossa taxonomia. Em seguida teremos de decidir se a profissão demandará uma quantidade significativa de experiência prática, que normalmente assume a forma de estágios. Esses estágios poderiam ser concedidos de uma maneira muito estrita ou mais leve: um estágio em pedagogia é muito rigoroso; um estágio de marketing talvez nem tanto; em medicina, extremamente rigoroso. Temos de decidir, como profissão, como uma pessoa progredirá do exame de base de conhecimento para o aro seguinte, que será a certificação profissional, que simplesmente atestará o seguinte: “Esta pessoa tem o conhecimento e a experiência necessárias à prática da arquitetura, sem supervisão, em projetos de um determinado porte”. Contudo, uma certificação profissional em comparação com a certificação do associado será mais difícil de se obter.

Um terceiro aro seria uma certificação mestre, como os programas Microsoft Certified Architect (credencial MCA). E este, basicamente, atestaria que qualquer profissional acima desta linha faria parte dos melhores 5 a 10% dos profissionais em âmbito mundial. Não vou entrar no mérito de todos os detalhes da infra-estrutura necessária para passar pelos principais aros, porque os mais interessantes são os quatro primeiros, uma vez que englobam tudo o que seria necessário para um motorista de ônibus se tornar um arquiteto. Os quatro primeiros aros são: treinamento efetivo sobre a aplicação conceitual e prática do corpus de conhecimento — uma certificação de conhecimento, um exame realmente difícil que atestaria que a pessoa de fato assimilou o conhecimento; um quociente de experiência, normalmente obtido por um estágio; e finalmente uma certificação profissional que diferencie a pessoa do que a IASA define como arquiteto associado ou júnior, ou seja, um profissional maduro que possa ir para o mercado imediatamente e exercer a profissão sem a necessidade de um mentor ou supervisor direto. São estes, portanto, os aros que os membros da IASA identificaram, e são os componentes primários do plano de educação abrangente que os nossos membros estão construindo.

AJ: Qual seria a principal mensagem a ser guardada pelas pessoas que, após lerem este artigo, estiverem pensando: “Sim, quero trilhar este caminho”?

PP: Tornar-se um arquiteto é um desafio e o processo depende de onde você está começando. Em geral, eu recomendaria dar uma boa examinada no projeto de taxonomia de habilidades no site da IASA. Realmente mergulhar nele, mesmo que não for se associar. Muitos aspirantes a arquiteto devem usar este conjunto de habilidades como o seu verdadeiro ponto para a tomada de decisão. Porque quando você ler esses artigos, terá uma idéia da profundidade e da abrangência — bem, devo confessar que, no início, quando terminei de elaborar a taxonomia, fiquei em estado de choque, pois não tinha idéia de como era grande. Fiquei realmente surpreso pela profundidade e extensão das expectativas que recaíam sobre um arquiteto. Recomendo primeiro a leitura dos artigos na biblioteca de habilidades online do site da IASA (ver Resources) antes de decidir se a arquitetura é realmente o caminho que você deseja seguir. Isto se deve ao fato de a maioria das pessoas, hoje em dia, decidir tornar-se arquiteto com base no que acha o que é ser um arquiteto em vez de pautar-se pelas próprias habilidades gerais e por como é o modelo de maturidade. Assim, eu diria que este deve ser o primeiro passo. O segundo passo, se você tornar a decisão de ser um arquiteto, é se associar à unidade local. Se não houver uma unidade na sua área, ajude a fundar uma, e envolva-se com o programa de treinamento da IASA, que permitirá aos membros da unidade obter tais habilidades.

“DÊ UMA BOA EXAMINADA NO PROJETO DE TAXONOMIA DE HABILIDADES NO SITE DA IASA. MUITOS ASPIRANTES A ARQUITETO DEVEM USAR ESTE CONJUNTO DE HABILIDADES COMO SEU VERDADEIRO PONTO PARA A TOMADA DE DECISÃO. PORQUE QUANDO VOCÊ LER ESSES ARTIGOS, TERÁ UMA IDÉIA DA PROFUNDIDADE E DA ABRANGÊNCIA — BEM, DEVO CONFESSAR QUE, NO INÍCIO, QUANDO TERMINEI DE ELABORAR A TAXIONOMIA, FIQUEI EM ESTADO DE CHOQUE, POIS NÃO TINHA IDÉIA DE COMO ERA GRANDE.”

AJ: O site menciona todas as unidades em atividade?

PP: Sim: unidades, programa de treinamento e eventos estão todos na página inicial da IASA.

AJ: E quanto à sua própria carreira, onde você se vê daqui a cinco anos?

PP: Bom, posso dizer que tem sido uma jornada incrível, uma experiência que ampliou os meus horizontes. Tenho a sorte de ter um trabalho que me permite falar com pessoas muito inteligentes do mundo todo, incluindo arquitetos aspirantes, profissionais e mestres, sobre os interessantes desafios que enfrenta a nossa profissão. Não me vejo largando o que tenho hoje, por um bom tempo. É a minha paixão.

Em cinco anos, quero estar fazendo exatamente o que estou fazendo hoje: ajudar arquitetos a controlar as suas próprias carreiras, profissões, a construir infra-estrutura e programas para ajudar outros arquitetos em suas funções diárias, ajudar organizações a utilizar melhor os arquitetos para executar as suas estratégias de tecnologia, obter valores financeiros e outros. Como eu disse, você vai ter de arrancar as minhas mãos da grade, porque é uma profissão muito divertida. E se há algum indicador de sucesso perceptível, são as trocas de mensagens de email que recebo, afirmando que os programas que temos implementado — ensino, comunidade, etc. — estão realmente ajudando as pessoas a fazer um trabalho melhor, a compreender melhor suas funções, a planejar suas carreiras e de fato acreditar que têm uma chance de alcançar suas metas. Este é o indicador do sucesso e é gratificante: eu acredito que poderia fazer isto para sempre.